Um novo estudo pode mudar a maneira como a ciência entende a memória. Publicado na quarta-feira (6) na renomada revista científica Nature, e realizado por pesquisadores da Baylor College of Medicine, o trabalho descobriu que células cerebrais chamadas astrócitos, que possuem formato de estrela, também guardam memórias e trabalham em conjunto com neurônios que regulam o armazenamento e recuperação dessas memórias.
Até então, as memórias eram explicadas pela atividade de neurônios. No entanto, o novo estudo mostra que outras células presentes no cérebro e que não são os neurônios também exercem esse papel.
“Descobrimos que essas células [os astrócitos] interagem intimamente umas com as outras, tanto física quanto funcionalmente, e que isso é essencial para o funcionamento adequado do cérebro. No entanto, o papel dos astrócitos no armazenamento e recuperação de memórias não foi investigado antes”, afirma Benjamin Deneen, autor correspondente do estudo, em comunicado à imprensa.
Para realizar o estudo, os pesquisadores começaram desenvolvendo um conjunto novo de ferramentas de laboratório para identificar e estudar a atividade dos astrócitos associados aos circuitos cerebrais de memória.
Em um primeiro experimento, os cientistas condicionaram ratos a sentirem medo e “paralisar” após a exposição a uma determinada situação. Após algum tempo, os animais eram colocados novamente na mesma situação, e, mais uma vez, eles “paralisaram” devido ao medo e à memória a respeito da situação.
“Trabalhando com esses camundongos e com nossas novas ferramentas de laboratório, fomos capazes de mostrar que os astrócitos desempenham um papel na recuperação da memória”, diz Wookbong Kwon, professor associado de pós-doutorado no laboratório de Deneen.
Segundo os pesquisadores, durante eventos de aprendizagem, como condicionamento de medo, um subconjunto de astrócitos no cérebro expressa um gene chamado c-Fos e regula a função de aprendizado e memória.
“Os astrócitos que expressam c-Fos estão fisicamente próximos dos neurônios do engrama [redes de neurônios presentes no cérebro]”, explica o coautor do estudo Michael R. Williamson. “Além disso, descobrimos que os neurônios do engrama e o conjunto de astrócitos fisicamente associados também estão funcionalmente conectados. A ativação do conjunto de astrócitos estimula especificamente a atividade sináptica ou a comunicação no engrama do neurônio correspondente. Essa comunicação astrócitos-neurônio flui nos dois sentidos; astrócitos e neurônios dependem um do outro.”
Em situações que não estavam relacionadas ao medo, os ratos do estudo não “paralisaram”. Porém, o contrário aconteceu quando o conjunto de astrócitos foi ativado, mesmo em cenários sem medo, o que mostra que a ativação dessas células estimula a recuperação da memória.
Atuação de um gene chamado NFIA
Os pesquisadores também tentaram entender o que media a atividade dos conjuntos de astrócitos na recuperação da memória. Para isso, eles investigaram um gene chamado NFIA.
“Nosso laboratório mostrou anteriormente que o NFIA astrocítico pode regular circuitos de memória, mas se ele atua em conjuntos de astrócitos para orquestrar o armazenamento e a recuperação da memória era algo desconhecido”, diz Williamson.
A equipe descobriu que astrócitos ativados por eventos de aprendizagem têm níveis elevados de gene NFIA. Além disso, impedir a produção desse gene nos astrócitos suprime a recordação da memória.
“Quando deletamos o gene NFIA em astrócitos que estavam ativos durante um evento de aprendizagem, os animais não conseguiram se lembrar da memória específica associada ao evento de aprendizagem, mas conseguiram se lembrar de outras memórias”, esclarece Kwon.
“Essas descobertas falam sobre a natureza do papel dos astrócitos na memória”, acrescenta Deneen. “Conjuntos de astrócitos associados ao aprendizado são específicos para aquele evento de aprendizado. Os conjuntos de astrócitos que regulam a lembrança da experiência assustadora são diferentes daqueles envolvidos na lembrança de uma experiência de aprendizado diferente, e o conjunto de neurônios também é diferente.”
Para os pesquisadores, as descobertas podem fornecer uma nova perspectiva ao estudar doenças associadas à perda de memória, como o Alzheimer, além de condições nas quais as memórias se repetem frequentemente e são difíceis de suprimir, como o transtorno de estresse pós-traumático.
Depressão pode acelerar perda de memória em idosos, diz estudo