Nota da edição: A matéria a seguir contém discussão sobre suicídio. Se você ou alguém que você conhece está lutando contra pensamentos suicidas ou questões de saúde mental, ligue 188 ou acesse o site do Centro de Valorização da Vida (CVV).
Derek Pfaff lembra-se de estar sob muito estresse durante a faculdade. Ele se recorda de voltar para casa durante as férias de primavera em março de 2014, mas não se lembra da noite que mudou sua vida para sempre.
“Não me lembro de nada”, relata Pfaff, de Harbor Beach, Michigan. “Não me lembro de pegar a arma, ir para fora, atirar em mim mesmo ou das semanas seguintes.”
Foi pouco depois da 1h30 quando seu pai, Jerry Pfaff, notou que o armário de armas da família estava aberto. Ele procurou pela área ao redor da casa e encontrou seu filho deitado em um banco de neve ao lado da garagem.
Derek Pfaff foi levado às pressas para o hospital. Quando finalmente recuperou a consciência e se encontrou em uma cama de hospital, pensou que tinha sofrido um acidente de carro.
O ferimento por arma de fogo de sua tentativa de suicídio havia deixado seu rosto severamente danificado. Ele perdeu o nariz, os lábios, os dentes e partes da testa, o que afetou sua capacidade de respirar, mastigar, engolir, sorrir ou piscar.
Nos anos seguintes, Pfaff passou por 58 cirurgias reconstrutoras faciais. Elas foram úteis, mas ele ainda estava sem nariz, maxilar superior e inferior, dentes, pálpebras e parte do osso da testa. Ele não conseguia mastigar ou falar facilmente.
“Ainda havia muito trabalho a ser feito, e não havia realmente mais nada que aquele hospital ou instalação pudesse fazer por ele”, conta sua mãe, Lisa Pfaff. Na época, um médico lhe disse: “A única opção para Derek é um transplante de rosto.”
Pfaff, 30, é agora uma das poucas dezenas de pessoas no mundo que receberam com sucesso um transplante de rosto que mudou sua vida. Entre eles estão Aaron James, que recebeu o primeiro transplante de olho inteiro e face parcial do mundo, e Katie Stubblefield, que foi a pessoa mais jovem a receber um transplante de rosto nos Estados Unidos.
A Mayo Clinic, onde a cirurgia de Pfaff foi realizada, realizou seu primeiro transplante de rosto em 2016.
“Houve vários pacientes nos Estados Unidos que fizeram transplantes de rosto e mais de 50 em todo o mundo, e cada um desses pacientes é diferente. Não há lesão que seja igual”, diz Samir Mardini, chefe de cirurgia plástica da Mayo Clinic, que atua como cirurgião de reconstrução facial e reanimação facial e diretor cirúrgico do Programa de Transplante Reconstrutivo da Mayo Clinic. Mardini liderou a cirurgia de Pfaff.
Quando “você está olhando para um defeito – a estrutura que está faltando, a função que está faltando – eles nunca são os mesmos”, afirma. “Então, cada transplante de rosto que está acontecendo atualmente é inovador e tem algo único.”
“É um procedimento que dá vida”
A cirurgia de transplante de Pfaff, que durou mais de 50 horas, foi realizada em fevereiro na Mayo Clinic em Rochester, Minnesota, nos Estados Unidos, envolvendo uma equipe de pelo menos 80 profissionais de saúde.
A equipe removeu cirurgicamente o rosto de um doador e depois implantou cirurgicamente o tecido doador em Pfaff para restaurar a estrutura e as funções de seu rosto. Cerca de 85% de seu rosto foi reconstruído e substituído com tecido doador, segundo Mardini.
A operação de Pfaff incluiu a substituição e reconstrução da maioria das estruturas faciais, incluindo parte da testa, o nariz, as maçãs do rosto, os maxilares superior e inferior com dentes, as pálpebras superior e inferior, a boca e todos os músculos do rosto que produzem expressões faciais, junto com a pele que cobre todo o rosto e pescoço.
A equipe médica também utilizou uma nova técnica de microcirurgia para transplantar o sistema de drenagem lacrimal do doador, permitindo que as lágrimas de Pfaff drenem normalmente em seu novo nariz.
“O transplante facial não é um procedimento que salva vidas, mas é um procedimento que dá vida”, afirma Mardini.
“É um procedimento que melhora a vida, e isso é algo realmente crítico quando estamos planejando a cirurgia”, acrescenta. “Único ao transplante facial é a natureza restauradora do procedimento. Você não está reconstruindo partes do rosto. Você está restaurando, trazendo partes faciais totalmente formadas.”
Para garantir que a cirurgia fosse precisa e acurada, Mardini e seus colegas criaram um plano cirúrgico virtual que envolveu fazer tomografias computadorizadas dos rostos do doador e de Pfaff. A equipe então realizou uma cirurgia “digital” no computador, com a ajuda de engenheiros biomédicos, antes de realizar o procedimento real.
“Decidimos juntos onde serão os cortes no osso, quais ângulos os cortes devem ter”, explica Mardini. “E fazemos isso igualmente no doador e no receptor para que, quando formos para a cirurgia, tenhamos modelos impressos do crânio junto com guias de corte tanto do doador quanto do receptor, o que nos permite executar a parte óssea da operação exatamente como planejamos na sessão virtual.”
A equipe imprimiu em 3D um guia personalizado para o procedimento que eles usaram quase como estênceis artísticos para orientá-los sobre onde cortar e executar todos os aspectos da cirurgia nos ossos do rosto. Um momento “crítico para o sucesso da operação” foi mapear os ramos do nervo facial tanto no doador quanto no receptor, segundo Mardini.
“Combinamos os nervos com base na função para que quando Derek estiver pensando em sorrir, esteja estimulando o nervo do sorriso – seu próprio nervo nativo que está conectado ao nervo do doador, que cria o sorriso”, explica Mardini. A próxima parte é para os músculos do rosto de Derek responderem e formarem esse sorriso.
“Você deve ver um sorriso em seu rosto”, afirma Mardini. “Essa parte da cirurgia é o que realmente cria o sucesso.”
“Um milagre para ele se ver”
Pfaff foi orientado a esperar cerca de um mês após o transplante antes de olhar seu novo rosto, e nesse período, Mardini relata que seu paciente se encontrou com um psiquiatra para se preparar para a grande revelação.
“Ele não podia ter uma câmera, seu telefone, seu iPad”, conta a mãe de Pfaff. “O espelho no banheiro estava coberto para que ele não pudesse se ver.”
Exatamente 10 anos após aquela noite fatídica – 5 de março de 2024 – Pfaff finalmente pôde ver seu novo rosto pela primeira vez. “Transformamos um dia realmente triste e difícil em uma experiência muito alegre para Derek, e foi simplesmente um milagre – um milagre para ele se ver”, afirma sua mãe.
Enquanto estava no hospital, Pfaff olhou-se no espelho. Ele conta que “parecia uma pessoa novamente” e que havia recebido “uma segunda chance”.
Pfaff agora pode expressar emoções em seu rosto: alegria, riso, tristeza e decepção. Ele pode falar com muito mais clareza e facilidade.
O rapaz se exercita duas vezes por semana, treina com um fonoaudiólogo e toma medicamentos imunossupressores para reduzir o risco de rejeição do transplante, que ocorre quando o sistema imunológico do receptor ataca o órgão ou tecido do doador. Ele continuará tomando esses medicamentos pelo resto de sua vida.
No geral, Pfaff diz que está “indo bem”. Ele está animado com seu futuro e agora quer “ajudar outros” aumentando a conscientização sobre o suicídio.
“O sol nascerá amanhã”, afirma Pfaff. “Você só precisa se manter positivo, não importa qual seja a situação. Olhe além do momento ruim.”
Globalmente, mais de 720.000 pessoas morrem por suicídio todos os anos, e é a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nos Estados Unidos, o suicídio foi responsável por quase 50.000 mortes em 2022. Isso representa aproximadamente uma morte a cada 11 minutos, de acordo com os dados mais recentes dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC). No Brasil, a cada dia, em média, 38 pessoas tiram a própria vida.
O número de pessoas que tentam suicídio ou têm pensamentos suicidas é ainda maior. Pesquisas sugerem que a maioria dos jovens que morrem por suicídio nos EUA não possui diagnósticos prévios de saúde mental.
O suicídio é um problema sério de saúde mental, porém pode ser evitado e tratado com estratégias para mitigar riscos em níveis individual, familiar e sistêmico, segundo o CDC. Se você tem um ente querido que está em dificuldade, algumas dicas incluem perguntar se ele está pensando em suicídio, tentar ouvir sem julgamentos, conectá-lo com recursos — como o CVV, no Brasil — e manter contato regular.
Nos dias que antecederam a tentativa de suicídio de Pfaff, seus pais disseram que tudo parecia normal. Pfaff havia ido esquiar com amigos alguns dias antes e, no dia do incidente, a família discutiu planos para participar de um serviço religioso na Quarta-feira de Cinzas na manhã seguinte.
Pfaff havia sido popular no ensino médio e era um jogador de futebol americano de destaque estadual, segundo Lisa. “Ele tinha tudo a seu favor, e não esperávamos que isso acontecesse”, diz,
Inicialmente, ela sentiu muita culpa por ter perdido possíveis sinais de que seu filho estava em risco de se machucar ou tirar a própria vida.
Mas ao refletir mais sobre a situação familiar, “Não acho que perdemos nada”, afirma. “Foi apenas algo que estourou e aconteceu, e nós apenas precisávamos ter força e coragem para superar isso e manter nossa família unida.”
Pfaff está ansioso para passar as festas de fim de ano com seus pais, seus quatro irmãos e a família estendida. Eles planejam aproveitar o jantar de Ação de Graças na casa da mãe de Lisa e assistir ao jogo do Detroit Lions.
“Estamos muito orgulhosos do Derek e de tudo que ele superou nos últimos 10 anos com um espírito guerreiro e mantendo-se positivo”, afirma Lisa. “Esperamos que agora que Derek está em uma posição melhor, as portas se abram para ele, para que todos nós possamos continuar compartilhando a jornada de nossa família e a recuperação do Derek.”
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