A escalada da despesa do governo com juros da dívida pública em um cenário de prêmio de risco elevado e expectativas de mercado não respondendo propriamente à atuação do Banco Central colocou na pauta de investidores um debate sobre riscos de o país entrar no estado chamado de dominância fiscal, o que deixaria a autoridade monetária sem as rédeas para o controle inflacionário.

O tema ganhou destaque em reuniões de membros da diretoria do BC com investidores em Washington na última semana e passou a ocupar a pauta de análises de corretoras e bancos de investimentos no Brasil, segundo relatos feitos à Reuters, embora especialistas e membros do governo ainda não vejam elementos que levem a essa conclusão.

A dominância fiscal é caracterizada por uma perda de eficácia da política monetária em cenário de desarranjo das contas públicas. Em ambiente desse tipo, uma alta nos juros básicos pelo BC para domar os preços eleva o gasto do governo com pagamento de juros da dívida pública e aumenta o problema fiscal a ponto de deteriorar expectativas de mercado, afetando condições financeiras, o que acaba por pressionar ainda mais a inflação.

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O ex-secretário do Tesouro Paulo Valle, diretor-geral da IRB Asset, esteve na última semana em Washington, onde ocorreram reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial e eventos paralelos, e disse que viu investidores brasileiros “pessimistas e alarmados” com o que classificou como uma antecipação de um possível problema fiscal no país.

Na mesma linha, uma fonte que lidera as análises de um grande banco de investimentos no Brasil disse, sob anonimato, ter ouvido de investidores preocupações sobre o risco de dominância fiscal, com dúvidas em relação à sustentabilidade da dívida pública, que é considerada grande mesmo com a Selic em um nível que ainda não é alto o suficiente para segurar a atividade e a inflação.

““O Brasil tem um passado que nos condena. Então a gente tem receio sempre. Eu acho que a gente não chegou a esse ponto (de dominância fiscal), o Banco central fez um bom trabalho e continua com o leme na mão.””

— Ex-secretário do Tesouro Paulo Valle

Ao avaliar que o cenário macroeconômico do Brasil no momento vai “relativamente bem”, Valle disse acreditar que o governo tem os instrumentos para reverter a perspectiva de piora fiscal por meio do controle de despesas, mas precisa ter convicção e vontade política.

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O gasto do governo com juros da dívida acumulado em 12 meses atingiu em julho R$ 870 bilhões, equivalente a 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB), maior patamar desde o início de 2016, quando o país passava por uma crise econômica e vivia incertezas relacionadas ao processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Em meio à atual descrença do mercado sobre a capacidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva de produzir uma trajetória saudável para as contas públicas, o Tesouro Nacional tem emitido títulos prefixados com remuneração elevada, já acima de 13% ao ano, além de taxas reais próximas de 7% ao ano para papeis corrigidos pela inflação.

A reabertura do ciclo de alta nos juros básicos pelo BC em setembro, atualmente em 10,75% ao ano, também tende a aumentar o custo da dívida pública, que tem 47% dos papeis indexados à Selic.

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A dívida bruta do governo geral ficou em 78,5% do PIB em agosto, 7 pontos percentuais acima do patamar registrado no início do mandato de Lula. A elevação preocupa a equipe econômica, que já vê o indicador rompendo a barreira dos 80% do PIB antes de se estabilizar e prometeu apresentar um pacote de contenção de gastos para dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal e controlar essa trajetória.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o diretor de Política Econômica da autarquia, Diogo Guillen, foram perguntados sobre o tema da dominância fiscal em reuniões com investidores em Washington na semana passada e responderam que não observam elementos que indiquem esse estado, mas Campos Neto ponderou que é preciso “ficar atento”.

Credibilidade

O ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, consultor da Pinotti e Schwartsman Associados, afirmou que tem sido perguntado sobre o tema “em praticamente toda reunião”, ponderando ser prematuro falar em dominância fiscal.

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“O que me parece que está por trás dessa relativa insensibilidade das expectativas com a política monetária é uma percepção de que o Banco Central não vai buscar a meta de inflação, de que o BC, particularmente sob nova direção, se acomodaria num objetivo de manter a inflação abaixo do topo da meta”, disse.

Para ele, as contas públicas do país também estão com a credibilidade arranhada diante de iniciativas do governo que promovem gastos por fora da contabilidade do Orçamento, associadas a uma dificuldade de corte de gastos.

“Existe a ideia de que há um desequilíbrio fiscal que não está sendo endereçado, isso alimenta a percepção de risco, que bate no juro”, afirmou, dizendo não acreditar na possibilidade de aprovação de um pacote fiscal que mude radicalmente o cenário para a dívida pública.

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Em relatório distribuído a clientes na sexta-feira, a Capital Economics disse estar claro que o Brasil não está em um quadro de dominância fiscal, mas ressaltou que preocupações nesse sentido têm contribuído para um aumento das expectativas de inflação, chamando atenção para a “situação precária” das contas públicas.

Apesar do patamar restritivo dos juros básicos e da defesa enfática dos diretores do BC de que buscarão exatamente o centro da meta de inflação, as expectativas de mercado para os preços à frente seguem se afastando do alvo de 3%, que tem tolerância de 1,5 ponto percentual. As projeções estão em 4,55% para 2024 e 4% para 2025, segundo o boletim Focus.

Duas autoridades da equipe econômica rejeitaram a ideia de dominância fiscal no país e disseram esperar que o pacote de contenção de despesas a ser anunciado pelo governo tenha condições de coordenar as expectativas e reduzir os juros futuros.

“Tenho muita dificuldade em associar um país que ganhou upgrades das três agências mais renomadas de classificação de risco nos últimos 12 meses, sendo que uma delas nos colocou a um degrau do grau de investimento, com o risco de dominância fiscal”, disse uma delas.

“Acho forte falar em dominância fiscal na situação atual, não existe um descontrole do fiscal. Temos uma credibilidade moderada que precisa urgentemente aumentar, o ‘game changer’ depende de o presidente apoiar as propostas”, afirmou a segunda fonte, em referência às medidas de controle de gastos a serem anunciadas.

Procurados, o Ministério da Fazenda e o Banco Central não se manifestaram.

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