Estima-se que o transtorno do espectro autista (TEA) atinge ao menos 6 milhões de brasileiros, um número considerado expressivo. Conhecido anteriormente apenas como “autismo”, hoje a sigla é considerada mais abrangente, e é justamente essa mudança no diagnóstico que aumentou o número de casos.

Para falar melhor sobre tudo isso, Dr. Roberto Kalil convida recebe Vinicius Barbosa, psiquiatra do Hospital Sírio-Libanês, e Fábio Pinato Sato, que é coordenador médico do PROTEA (Programa de Transtornos do Espectro Autista) do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo), no “CNN Sinais Vitais – Dr. Kalil Entrevista”.

“O termo autismo foi consagrado desde as primeiras descrições, em 1943, mas o transtorno tem se mostrado muito mais heterogêneo do que algo que se define como único termo. Então o conceito mais moderno é realmente o transtorno do espectro do autismo”, explica Barbosa. Como os sintomas apresentam uma variabilidade muito grande, o uso da palavra espectro se mostra mais acertado.

Eles ainda ressaltam que a mudança da classificação em 2013 foi um marco importante. “O TEA deixou de ser ‘transtorno invasivo global do desenvolvimento’, do qual o transtorno autista fazia parte, para ser o transtorno do espectro autista, em que há uma condição dimensional, mais ampla. Essa dimensão aumentou também o número de pessoas que entraram nesse espectro”, explica Sato.

Sinais envolvem principalmente a comunicação social

“O prejuízo é qualitativo da comunicação social, interpessoal”, diz Sato. “E, como todo transtorno do neurodesenvolvimento, começa cedo. O diagnóstico é feito, de uma forma geral, até os 4 anos de idade”, afirma ele, explicando que, às vezes, os sinais podem aparecer antes do primeiro ano de vida.

Eles explicam ainda os principais sinais: “A criança vai tendo alterações de desenvolvimento, principalmente no que envolve a comunicação social. Existem as chamadas red flags, que são pontos de interesse que a gente tem que prestar atenção. Então, se até um ano a criança não responde pelo nome. Até 14 meses a criança, por exemplo, não aponta objetos. Depois, mais do que isso, a criança não participa das brincadeiras, não quer que os pais participem, fique num certo isolamento, ou tem um atraso de fala. São marcos do desenvolvimento neuropsicomotor que ficam deficitários ou atrasados”, afirma Sato.

Barbosa explica que também há casos em que ocorre uma regressão. “Para alguns pacientes nós vemos uma evolução mais próxima da normalidade, e numa fase que é crucial do desenvolvimento, que seria do primeiro ao terceiro ano, nós podemos ver regressões de habilidades que essa criança já havia adquirido. A gente sabe que tem fatores genéticos que predispõem a isso. Mas talvez até o impacto ambiental possa também estar relacionado a alguns desses casos”. Segundo os especialistas, aproximadamente 25% dos casos podem se apresentar dessa forma.

Trabalhar autonomia é fundamental para quem está no espectro

Profissionais que trabalham no atendimento a esses pacientes e familiares que convivem com o diagnóstico tem trabalhado cada vez mais para promover a autonomia destas pessoas. “As escolas estão num processo de ter (preparo). Na verdade, acho que está muito melhor do que era há 10 anos. Hoje as escolas conseguem ser mais inclusivas, em algumas escolas existe um plano de inclusão, mas os casos são muito heterogêneos. Hoje há, inclusive, preocupação nas graduações e nas empresas”, afirma Sato, ressaltando que a existência de esforços para adaptações e inclusão destas pessoas no no mercado de trabalho, por exemplo.

Mas ainda falta muito para chegarmos em um bom patamar. “Os índices de bullying e assédio são relativamente grandes. Ideação suicida em TEA adulto é três vezes maior e acontece quase três vezes mais cedo também”, explica Sato. Segundo ele, isso só faz aumentar os riscos de comorbidades do TEA, que já incluem, por exemplo, depressão, ansiedade e TDAH. “Mais ou menos 50% das crianças com espectro autista têm alexitimia, que é uma dificuldade de reconhecer e falar sobre os próprios sentimentos. Se quase 50% têm, processar esses sentimentos, principalmente de trauma de tristeza, é muito mais difícil”.

Para Barbosa, violências trazidas pelo preconceito trazem sequelas a qualquer pessoa. “Mas na população autista, que já é especialmente vulnerável ao stress, é muito pior”.

Ambos os especialistas alertam que o acolhimento é fundamental. “Mais do que olhar para as deficiências que essa população pode apresentar, a gente tem que olhar para os potenciais que essas pessoas possuem. Muitos deles são brilhantes em diversas áreas, mesmo aqueles que a gente tem um comprometimento comunicativo muito significativo”, diz Barbosa. “Temos que batalhar para que a inclusão não seja uma teoria, seja prática”, finaliza Sato.

O “CNN Sinais Vitais – Dr. Kalil Entrevista” vai ao ar no sábado, 09 de novembro, às 19h30, na CNN Brasil.

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